Sobre as manifestações em São Paulo

O preço do tomate. A copa das confederações. A visita do Papa Francisco. E todos os outros assuntos que a mídia abraça com amor, carinho e dedicação foram postos de lado na última semana, dando espaço aos comentários mais diversos sobre as manifestações contra o reajuste dos valores do transporte público na cidade de São Paulo (e em algumas outras cidades do Brasil).

A maioria dos brados retumbantes criminalizam as manifestações, junto com as organizações e movimentos que foram, inevitavelmente, vinculados aos protestos. O Movimento Passe Livre e alguns partidos de esquerda (PSTU, PCO e PSOL), apesar de não colocarem-se como “organizadores” dos atos, participam ativamente na mobilização de pessoas pelas redes sociais e com a distribuição de panfletos em filas de ônibus, catracas das estações do metrô e outros locais de grande circulação. Pessoas que utilizam o transporte público, preferencialmente.

Este, inclusive, é um ponto importante durante a análise da cobertura da mídia. A classe média que não faz uso do transporte público também é bem vinda nas manifestações. Afinal, a manifestação ideal será quando não apenas as pessoas diretamente interessadas mobilizarem-se, mas quando houver uma consciência coletiva da necessidade de mudança, independente dos interesses pessoais. Mas como estamos longe do ideal, vemos nas ruas uma minoria, dentro desta maioria que faz uso do transporte público. É uma minoria com mais acesso à educação. Uma minoria que talvez tenha um bom celular (“marginal com iPhone na mão e Nike no pé, badernando por 20 centavos, um absurdo!”, gritam os apresentadores sensacionalistas de TV). Mas uma minoria que USA O TRANSPORTE PÚBLICO.

Não é possível que uma pessoa, em sã consciência, utilize o transporte público na cidade de São Paulo e não considere R$3,20 um absurdo. O ponto principal nem é o aumento de 20 centavos. Isto foi apenas o estopim. R$3,20 é injusto e R$3,00 era injusto. Não espero chegarmos ao “passe livre” (transporte gratuito, pelo menos para estudantes e idosos), mas seria de grande valia se o governo disponibilizasse os dados detalhados do custeio do transporte. Incluso aí, os gastos com manutenção, pagamento de salários, investimentos e lucro das empresas concessionárias. Principalmente, o lucro das empresas concessionárias. É o mínimo.

O que mais irrita alguns críticos é o trânsito causado pelas manifestações. Os jornais, nas rápidas e tendenciosas entrevistas com a população, sempre mostra alguém (dentro do seu carro) reclamando que levou horas para chegar em casa. Que apoia qualquer tipo de manifestação, desde que as mesmas não atrapalhem o direito de “ir e vir”. Como se a luta por melhorias no transporte público não tratasse exatamente do direito de ir e vir.

Se determinado protesto atrapalha o trânsito: ótimo. Porque o objetivo é chamar a atenção. Se a manifestação não interromper o modorrento e repetitivo dia das pessoas, ela será inócua. Ninguém prestará atenção. É tão óbvio que dá vergonha de explicar. É importante informar aos desinformados que a Constituição nos garante o direito de livre manifestação, nas vias públicas, inclusive. Onde os Caras Pintadas chamaram atenção? Alguém acha que o movimento das Diretas Já foi no Parque do Ibirapuera? Que os manifestantes sitiaram a praça Benedito Calixto? Foi em vias públicas, meus caros. Em vias públicas.

Outro argumento interessante, pra não chamar de imbecil, é o de que há hospitais nas regiões dos protestos. Que isso prejudica a locomoção de ambulâncias e, consequentemente, pode custar vidas de doentes que precisam de acesso rápido aos hospitais. Antes de falar sobre isso, invoco o pai dos burros, mais conhecido como Aurélio (ed. 2012), para uma leve definição de falácia:

“2. afirmação falsa ou errônea”

Pois trata-se exatamente disso. Com a falácia espalhada (não apenas pelas redes sociais, mas também por aqueles apresentadores sensacionalistas citados outrora), a natural solidariedade das pessoas aos enfermos e necessitados sobrepõe a lógica e um argumento estapafúrdio como esse vira verdade absoluta na boca dos pseudo-indignados. Talvez seja necessário lembrarmos o óbvio: o que atrapalha as ambulâncias de chegarem aos hospitais não são as manifestações, e sim o trânsito. Trânsito este já comum na cidade. Foi exatamente por isso que algum gênio desconhecido inventou a sirene. Ouso afirmar, inclusive, que os manifestantes abririam espaço mais rápido para uma ambulância do que os carros engarrafados. É uma questão logístico-espacial, acho.

Um último ponto é o já famoso vandalismo das pessoas. Essa gente degenerada e violenta que destrói a cidade, enquanto a gloriosa polícia tenta defender nosso patrimônio. Estes jovens vagabundos querem baderna e destruição, enquanto a polícia defende nosso direito de ir e vir, indo e vindo com balas de borracha e bombas de efeito moral. Essa ratataia periférica que ousa incomodar o centro da cidade, por míseros 20 centavos, ante aos heróicos policiais, defensores da paz e livre convivência.

Não fui a todas as manifestações, apenas algumas. Mas pelo relato de alguns colegas, quem normalmente inicia a violência física é a polícia. Grito e xingamentos são comuns nas manifestações. Muitas vezes esses xingamentos são contra a polícia. Sim, isso é comum. Principalmente quando eles formam a formosa barreira para impedir os manifestantes de avançarem.

O problema é que o ego da corporação policial (principalmente a paulista) vai além da estratosfera. Quando são ofendidos usam da força bruta que detém, legitimada pelo Estado, pra meter porrada em quaisquer cidadãos que estejam pela frente. Não defençável o xingamento aos policiais. Me parece até um desperdício de energia. Mas responder grito com bala está longe de ser eficaz para “evitar a desordem”. Ações geram reações e a polícia militar sabe bem disso. Os governos do estado e prefeitura também sabem.

O que há de interessante nas manifestações de 2013 (diferentes das de 2011) é observar que em vez de diminuírem o número de participantes, aumenta. O segundo ato foi maior que o primeiro. O terceiro, maior que o segundo. O quarto, maior. E o quinto, na próxima segunda-feira, promete.

Talvez não dê em nada. Talvez a passagem do ônibus/metrô suba. Talvez, como sempre, os jornais mantenham o foco na minoria que aproveita do movimento para destruir algumas vidraças, enquanto uma maioria pacífica e escandalosa grita no vácuo da mídia independente e das redes sociais. Mas nós temos câmeras. Tiraremos fotos e faremos vídeos. A polícia não conseguirá destruir tudo. Não temos o que esconder. E se as imagens vierem a público, o próprio público poderá tirar suas conclusões, antes do JN começar.

Enquanto a imprensa e governo fingirem que é uma causa dispersa e ilegítima, ajudará o movimento. Desta vez, é uma causa coletiva e legítima. As pessoas que estão ali acreditam. Não são ingênuas. Sabem que o preço da passagem não reduzirá imediatamente. Mas o diálogo e a reflexão precisavam de um ponta-pé. Nem que seja em troca de balas de borracha e bombas de efeito moral. Vamos gritar e gritar.

E se a tarifa não baixar, a cidade vai parar.