Prezado cigarro,
Enquanto dou o derradeiro trago – imaginário, pois você não está mais aqui – inicio esta missiva. Olho para o chão e observo: última bituca (talvez penúltima). Encarando-me com olhos não de presente, mas passado. Acabou comigo e meu ego. Deixe o ponto final para mim. Suplico.
Ciente da minha incapacidade de resistir, optei pelo mais drástico. O fim registrado, em cartório. Extrajudicialmente notifico-te, meu pedido de divórcio. (Ir)revogável.
Depois de tanta fumaça, conversas intermináveis e trovões, os amarelos dentes da primavera viraram, do avesso. E a brisa boa, antes tesão, agora é engasgo. Desce ruim.
Tentei parar, mas nem a pinga, nossa companheira de prosa e tédio, deu conta da ausência. Ter-te em minha boca era consolo de tudo. De todos.
Teu tabaco, ali, com tantas outras substâncias químicas, ludibriava-me. E nem a massiva advertência, no teu rótulo, alertando-me da finitude, impediu-me de tragar-te até o fim. De mim.
Teu cheiro então, é foda. Não sai das mãos. Do corpo. Das roupas. Não tem banho que tire. E sei, por outros vícios, que cheiro fica. Impregna. Fecho os olhos, respiro fundo e bingo. Sinto.
Disseram-me na sarjeta para substituir um vício por outro. Ocupar aquele espaço, vazio. Relutei, confesso. Mas tem jeito? Morro aos poucos por ti e à partir de amanhã, caso aceite esse divórcio sem litígio, partirei, em busca de novos delírios.