incólume

em mesas de bares espalhadas
amigos e amigos de amigos
se encontram
reiteradamente
a procura não apenas de respostas
mas perguntas

um copo ou outro de cerveja
vinho
uísque
vodca
seja o que for
os ajuda
eficientemente
nos devaneios mais sensatos
e por ai percorrer
longas e longas horas
em instantes

papos descabeçados evaporam
risos descontrolados acontecem
gritos despreocupados escapam
choros enclausurados aparecem

uma fuga da realidade
da sobriedade
das responsabilidades

ensandecidamente felizes
ou perigosamente tristes
é a liberdade total
manifesta e em festa

tudo que o mais sóbrio
covarde e incapaz
jamais faria
o ébrio faz
satisfeito

é, de longe
o mais próximo que chegarão
da plenitude
do desapego
da vida

sóbrio, de perto (e tão longe)
apenas observo
atento
a sobriedade é minha embriaguez

verbalizou

a chuva choveu
o passo passeou
a vida viveu
o som soou
a festa festejou
o amor amou
a fuga fugiu
o ódio odiou
a morte morreu

mas o tempo
ingrato
não passou
e não passa
parou

fique

assim, aconteceu
de repente
desapareceu
para onde?
não se vá
fique

sou forte
resisto
persisto
no erro
insisto no erro
é triste
sou forte
mentira
não sou forte
sou fraco
você é meu ponto fraco
me enfraquece
envaidece-se sem perceber
que sofro
fique
esteja comigo
aqui, ali
tão só não dá
por favor
eu imploro
me entrego
fique

depois, que sucedeu
ao menos, explique
não permita
que eu
suplique
insista em algo perdido
ao léu
em vão
sozinho, ficarei
não deixe
ajude
ao menos, agora
me faça feliz agora
para sempre
o presente
passou
o presente passou
outra vez
e de novo
passou…

o seu passo
se afasta
e destrói
meu desejo
suprimido
comprimido no peito
um castigo
você me aplicou
sem remorso
destemida
seus passos distantes
me matam
trucidam minha paz
meu amor
de uma vez
um dia
semana
um mês
ano
não escute os outros
é um engano
a si mesma
ignore
tampe os ouvidos
ouça a mim
apenas a mim
e fique
apenas
fique

a desonestidade

em ensaios definicionistas
procuramos defeito radical
um termo genérico ideal
aquele pecado mais capital

e encontramos

mesmo que banal
a desonestidade
ela é desleal
o termo é ideal
para definir este ato abissal
pode ser intelectual
emocional
política
ética
e moral

um golpe baixo
sem volta
ela é radical

epidemia

hepatite
rubéola
cólera
malária
gripes
suína e espanhola
epidemias amadoras
fracassadas
derrotadas

a verdadeira epidemia é outra
mais forte
cruel
indisciplinada e invencível
desonesta
isônoma
perversa
neurótica
psicótica

destrói vida
coração
sonho
chão
planos
sono
penteado
destrói o amor

deflagra guerras
gritos
sussurros
murros
e percalços

dezenas
milhares
milhões
bilhões de pessoas
sofrem
morrem
padecem
enfermas e desiludidas
constrangidas
perdidas

a paixão é a maior epidemia
e como tal
precisa ser erradicada
destruída
desconstruída
destituída de seu posto
poder
força e posição

é possível lutar contra esse mal
basta se afastar
evitar
pestanejar
chorar
ignorar
e por quê não
desviar

mentira
balela
engodo
embuste
lorota
é impossível vencê-la
evitá-la
impedi-la

não tem remédio
tratamento
cura
ajuda
solução
terapia

nada
não tem nada que resolva
é inerente
intrínseco
imanente
persistente

o jeito é
como sempre
eternamente
repetidamente
novamente
se entregar
e, outra vez
sofrer
e sofrer

Juramento do Professor Doutor

Eu juro solenemente descontar tudo que sofri no mestrado e doutorado em meus alunos de graduação. Não que eles mereçam, mas simplesmente porque eu quero.

Eu juro solenemente enviar um e-mail com o texto (de 200 páginas) poucas horas antes da aula e, após perguntar se os alunos leram e ouvir o planejado som do silêncio, fazer cara de Willy Wonka.

Eu juro solenemente pedir uma resenha crítica por semana que, com o mínimo de 20 laudas (se não sabe o que é lauda, vá estudar, você precisa de vocabulário acadêmico), coloque 13 autores para debater, apresente problemática, hipótese e respostas para todas as questões do universo.

Eu juro solenemente deixar uma matriz (toda arregaçada), na quarta geração de xexérox (xérox da xérox da xérox da xérox), praticamente ilegível, na pasta da copiadora, junto com 218 outros textos. Afinal, pra quê facilitar?

Eu juro solenemente não passar lista de presença, mas, reparar todos os alunos que faltaram na minha aula e perguntar no dia seguinte as causas, motivos, razões e circunstâncias que os levaram a serem tão desrespeitosos.

Eu juro solenemente continuar sem aprender como ligar um projetor e, se possível, usar transparências xexelentas que remetam ao período paleolítico.

Enfim, juro solenemente fazer jus aos meus títulos.

à primeira vista

são paulo, 31 de maio de 2012

hoje eu vi algo
estranho
não sei bem dizer
não sei bem falar
só sei dizer que foi algo
estranho

foi uma mulher
não uma qualquer
é claro
aquela mulher

aquela dos sonhos
sabe?
aquela escolhida
sabe?
aquela perdida
sabe?
esperando por você
mesmo sem saber

na verdade
estranho não foi o que vi
mas o que senti
de repente
de rompante, assim
na minha frente

inacreditavelmente
mesmo sem a conhecer
não a subestimei
assim, à primeira vista
me apaixonei

te quero

envolve-me em amassos descompassados
devolve-me fluidos desesperados
tem-me em teus braços delicados
aperta-me em teus seios desejados
te quero

roço-ti em movimentos ondulados
penetro-ti em poses descoladas
devoro-ti em pontos inexplorados
consumo-ti em doses exageradas
te quero

te afasto
te pego
te renego
te amo
te sonego
te mostro
te furo
te beijo
te aperto
te cheiro

enfim
te quero

dependência

13me privei dos vícios
sei não fumar
sei não beber
sei até
veja você
não viver

mas tem algo que não sei
não sei bem o quê
só sei que não sei
tem a ver com você
me privar de você
isso que não sei

dos vícios que me privei
nenhum se compara
ao que sinto em meu peito
na sua falta
o que é fácil, digamos
já que você, experimentei
os outros
apenas me privei

seu cheiro
seu toque
seu jeito
seu gosto
pois é
me viciei

eu que me gabo da ausência de vícios
fui pego pelo mais atroz
o mais intenso
o mais feroz
de todos eles
o mais sutil

uma dependência de você
uma carência
uma ausência
uma indecência
admito
meu vício é você

simplesmente ventania

o vento venta
assim nasce
o vento fica
assim vive

o vento venta
assim dói
o vento fica
assim agüenta

o vento venta
assim cresce
o vento fica
assim padece

o vento venta
assim junta
o vento fica
assim separa

o vento venta
assim morre
o vento fica
assim sofre

a ventania
simplesmente venta

agonia

antes, acordar era um martírio
agora, acordar é um alívio
por quê?

esperança de encontro?
esperança de reciprocidade?
agonia
um aperto inacreditável

uma força sobrenatural
um aperto absurdo
um poder descomunal
agonia

cabelos bagunçados
ideias bagunçadas
agonia
tudo descontrolado!

sentimentos descontrolados
dúvidas…
batimentos descontrolados
agonia

passos inexplicáveis
guiados pelo coração
caminhos desconhecidos
atrás de uma explicação

tudo é tão confuso
mesmo assim está tão claro
que a cura para a dor
está em alguém que me é caro

morrer seria a solução
se não houvesse explicação
para que o coração
insistisse na excitação

perguntas?
tenho as respostas:
simples:
não há respostas

fugir é impossível
aparentemente…
fingir é intangível
feliz ou infelizmente?

não sei
talvez não queira saber
a sensação é a pior
mas consegue ser a melhor

o tempo se arrasta
agarrado no presente
mas quando o alvo
realmente aparece
o tempo é trapaceiro

agonia
poesia não é solução
mostra apenas a essência
somente confabulação
não para esconder
mas para fortalecer
a realidade

seria agonia?
talvez melancolia?
não, meu caro…
é amor.